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“Contos das Terras Altas”

Gentes da Guarda

Foi publicado no ingrato ano de 2020, o livro “Contos das Terras Altas”, da autoria de Jerónimo Jarmelo. Não é de modo nenhum estreia do autor, mas mais um título a acrescentar a outras obras anteriormente publicadas que englobam narrativa e poesia. “Inquietudes” é o seu livro de poemas, mas os livros mais conhecidos são narrativas, a maior parte delas tratando temas relacionados com o século XX e o tempo do salazarismo.O autor é natural da Castanheira do Jarmelo, daí o seu pseudónimo já que o nome é Jerónimo Pereira dos Santos. Frequentou os seminários do Fundão e da Guarda e cursou clássico-românicas, na Faculdade de Letras de Lisboa. Depois de uma breve experiência no ensino ingressou na banca. Já reformado voltou às lides académicas dando aulas na Universidade Sénior do Seixal, localidade onde está domiciliado.“Contos das Terras Altas” é um conjunto de 10 histórias breves e com figuras genuínas do planalto beirão situado entre a Guarda e a fronteira espanhola. Trata-se de um desfile de figuras mais ou menos antiépicas, ou melhor, pícaras em que as aldeias eram férteis nas décadas mediais do século passado. O estilo do autor é simples e muitas das narrativas convertem-se em histórias passíveis de ser contadas aos serões invernais. Há sempre um pormenor que se destaca e que faz com que o leitor “arrefite” as orelhas para não perder pitada da história. Também não seria fácil o ouvinte deixar-se dormir pois algumas delas podem mesmo amedrontar o espectador e deixá-lo expectante até à última palavra. É, pois, um estilo coloquial próximo das personagens criadas e fruto provavelmente das vivências do escriba.“Todas as aldeias têm as suas figuras típicas, sejam elas homens ou mulheres. Como regra, algumas servem para provocar a boa disposição geral sendo, quantas vezes, algo de brincadeiras mais ou menos inofensivas. Outras são motivo de chacota e de mofa, da parte dos outros habitantes. Há uma terceira categoria, normalmente malquista pelos outros residentes, que engloba pessoas de carácter dúbio e que, por norma, se limitam a infernizar a vida das pessoas que com elas convivem. (pág. 5) O autor logo no prefácio nos alerta para aquilo que nos espera: três categorias de personagens castiças. Umas percorrem um espaço mais vasto do atrás referido planalto, outras limitam-se à Castanheira e redondezas. Todas elas são verosímeis e genuínas nas suas palavras e comportamentos. Assim, logo o primeiro conto nos apresenta uma figura mais abrangente do espaço. O “salva-vidas percorre muitas aldeias e presta os seus serviços de forma gratuita, ajudando os agricultores no tratamento dos seus animais. O senhor Leonardo é um homem cheio de bonomia e voluntarioso. Tanto que depois de uma vida a tratar de animais acaba por, nos últimos dias de vida, fazer um parto humano. Vemos em seguida surgir diante de nós o Zé Ranholas, tipo inconvivendo e arisco, sempre a fugir ao convívio social e cuja única afetividade lhe é manifestada pelos seus animais à hora da morte. Segue-se o Bernardino Pires, personagem picaresca, cuja indolência é notória, mas que acaba por fazer rir todo um tribunal. O Manuel Grilo é um preguiçoso que envereda pelas actividades que não dão grande trabalho, manhoso e chico esperto vivendo sempre – ele e a família – na corda bamba da indigência. A família dos Lagartos retrata uma situação bizarra, no entanto vivida em muitas aldeias, em que um elemento da casa é maltratado e explorado pelos outros, ou seja, a velha luta entre o bem e o mal. O carteiro entra também nas histórias, essa figura que ajudou muita gente na altura da emigração lendo as cartas dos familiares emigrados. A crucificação não tem propriamente um herói, mas fala de figuras comuns do teatro popular e recorda uma tradição que ainda se mantém na aldeia de Pousade. O Manuel Negrão é o gigante bondoso que põe a sua força ao serviço dos seus semelhantes e que acaba neste caso por ser recompensado. O Joaquim Marmelo é outro chico esperto, ardiloso capaz de inventar todas as estratégias para conseguir os seus fins. Apesar disso acaba também por ser recompensado. A terminar uma estória de amor que acaba mal mas que se torna lendária na memória do povo. É uma maneira de perdurar as figuras populares através da mitologia que se forma em forma de manifestações estranhas.Como se vê o livro perpassa a mentalidade popular de pessoas simples que se tornam heróis, grande parte das vezes não por feitos grandiosos, mas através de actos isolados que os mitificam. O autor aproveita também para abordar outros assuntos que são recorrentes nas suas obras: a emigração, o salazarismo e suas consequências, a falta de ambições de muita gente acomodando-se àquilo que a vida lhe dá. Este desfile é um fresco daquilo que se passava nas aldeias da Beira Serra nesses anos cinzentos do estado Novo em que dominava a ignorância e a incultura, no entanto muitas vezes esse cinzentismo era quebrado pela diversão que estas personagens provocavam, mas também através do riso e da consciência do mal dos outros. No fundo, o autor retrata a natureza humana com as suas glórias e as suas desgraças. Afinal, quem vê o seu povo, …”

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