Falar da cidade da Guarda é para mim, que aqui vivi cerca de quarenta anos
, de 1973 a 2012, onde fiz a minha formação teológica e exerci o meu ministério sacerdotal até ao momento em que fui nomeado bispo, uma ocasião para expressar um pouco daquilo que foi, e continua a ser, o meu conhecimento das realidades que a constituem, das pessoas que nela habitam e os desafios que o tempo presente traz a esta zona do nosso país.Não se pode compreender a Guarda sem fazer referência à diocese, que no momento em que o Foral foi concedido à cidade por D. Sancho I, no dia 27 de novembro de 1199, também começou a existir neste território, limítrofe com Castela, uma diocese, cuja sede foi transferida da Egitânia para a cidade da Guarda, denominando-se, desde então, os habitantes de egitanienses. “No paaço del rey e o paaço do bispo ajam comida e toda a cidade aja huum foro”. Enquanto cultivador da história, sempre me chamou a atenção o número de pessoas que viveram a sua fé e marcaram os ritmos e a vida quer da cidade, quer da diocese. Olhando para a cidade e toda a sua envolvência, constatamos como muitas das suas ruas e praças, monumentos e obras sociais têm a marca do Evangelho, como tantas pessoas viveram a sua fé procurando no quotidiano das suas vidas traduzi-la em obras. Quem poderá esquecer a imponente Sé da Guarda enquanto monumento nacional e cátedra do bispo diocesano, as suas igrejas, do estilo românico ao contemporâneo?O século XX marcou a cidade e a diocese da Guarda de uma forma indelével. Refiro apenas alguns nomes que colocaram a cidade no mapa da Igreja em Portugal. No início deste mesmo século, era bispo da Guarda o arcebispo-bispo D. Manuel Vieira de Matos, que em 1914 foi transferido para a arquidiocese de Braga, a quem se deve a implantação do escutismo católico em Portugal e a organização do primeiro congresso eucarístico nacional. Nos doze anos que esteve na Guarda é de realçar a renovação do Seminário, adaptando-o aos tempos modernos, a catequese com a convocação do primeiro congresso diocesano e a implementação dos círculos operários católicos. Para a renovação do Seminário, chamou o padre Manuel Mendes da Conceição Santos, mais tarde bispo de Portalegre e arcebispo de Évora, sendo apelidado de apóstolo do Alentejo. Também não podemos descurar outros dois sacerdotes desta mesma época, D. José do Patrocínio Dias, bispo de Beja, e D. José da Cruz Moreira Pinto, bispo de Viseu, pelo papel relevante que tiveram nas suas dioceses. Mais tarde, depois do concílio Vaticano II, importa lembrar outro sacerdote do presbitério da Guarda que foi bispo do Funchal e de Coimbra, D. João António da Silva Saraiva.Todo este movimento religioso que foi crescendo e dando frutos, não só para a cidade mas também para todo o país, teve nos veneráveis servos de Deus D. João de Oliveira Matos e Mons. Joaquim Alves Brás, através das suas obras, impacto não só a nível da nossa diocese mas também extensível a todo o país. Quem não ouviu falar da Liga dos Servos de Jesus e da Obra de Santa Zita?! Os seus processos de canonização são a prova disto mesmo.Tendo pressente a realidade atual, são muitos os desafios que se colocam a todos, mas muito particularmente àqueles que têm responsabilidades, quer civis quer eclesiásticas. A desertificação do interior é uma realidade e a todos exige unir esforços em ordem a uma sociedade mais equilibrada, onde as várias gerações possam coexistir e intervir no desenvolvimento deste território. O jornal A Guarda, que tem sido um importante veículo de informação e formação, deve continuar a trabalhar no sentido de aproximação da comunidade e na construção da própria identidade local, incorporando valores e causas que a todos possam estimular e favorecer.Desejo que esta terra, que é também a minha, seja capaz de superar as dificuldades que a interioridade traz a todos nós e encontre caminhos de crescimento e solidariedade.