Viagens ao reino de Clio
Em 1831, o clima de pré-guerra que se vivia em Portugal registava alguns episódios passados nos Açores. Eis uma notícia de julho desse ano: “As armas constitucionais vão fazendo conquistas em algumas importantes ilhas dos Açores, aumentando os nossos meios e dando maiores brios aos soldados da Ilha Terceira. Entretanto, uma formidável esquadra francesa na costa de Portugal acaba de aniquilar o moribundo comércio português, capturando todos os seus navios que pretendem entrar ou sair nos portos do Reino.
É nestas circunstâncias que chega à Europa Sua Majestade o duque de Bragança o senhor D. Pedro, pai e protector da Rainha, a senhora D. Maria II; é nestas circunstâncias que se espera por sua Majestade Fidelíssima a cada momento para de novo aparecer na corte de Inglaterra, apresentada desta segunda vez, não por um marquês de Barbacena, mas sim por seu augusto pai.
Não é preciso grande conhecimento político para se reputar importantíssima a vinda destas augustas personagens à Europa, agitada pelas comoções políticas que são o efeito dos esforços da liberdade contra o despotismo. Os portugueses que se acham no Reino, vêm agora aproximar-se de novo à sua pátria a rainha de Portugal, conduzida pelo seu mais legítimo protector e defensor que advoga a sua causa e solicita a seu favor os meios de que ela carece para derribar a usurpação.”
A batalha entre liberais e absolutistas estava a decorrer com grande intensidade nos Açores. As forças do conde de Vila Flor tinham entrado em confronto com os miguelistas que revelavam uma grande desorganização. Após sucessivas vitórias, nas várias ilhas que compõem o arquipélago, o conde redigiu o seguinte ofício: “Foi tal rapidez com que avançámos, que às 2 horas da tarde já me achava nesta vila com a maior parte da divisão, senhor de toda a artilharia e munições que existiam nela. Não posso explicar a exaltação que toda a tropa, que tenho a honra de comandar, manifestou na ocasião do combate, em que ressoavam incessantemente os vivas à nossa augusta soberana e à Carta Constitucional e vejo-me obrigado a dar geralmente os maiores agradecimentos aos oficiais, cadetes, oficiais inferiores e soldados de todos os corpos, sendo difícil fazer distinções quando todos se portaram com valor no combate e nobremente com os habitantes desta ilha. Todavia cumpre-me fazer a devida justiça às acertadas medidas tomadas pelo major José Joaquim Pacheco e pelo major Bernardo de Sá Nogueira, logo no primeiro momento do desembarque, assim como à distinta bravura com que se comportaram.”
Os Açores passam então a ser a terra da Liberdade e o baluarte da Carta Constitucional.
No dia 26 de agosto desse ano, Luís António de Abreu e Lima, um dos mais próximos colaboradores de D. Pedro, escreveu um ofício confidencial a Mouzinho de Albuquerque, destacada figura liberal: “Segundo as notícias que recebo de Paris, a Rainha nossa Senhora e seus augustos pais e madrasta chegaram a Meudon no dia 20 do corrente, cujo palácio acharam ricamente disposto para a sua recepção, com uma guarda de capitão e vinte e tantos cavalos de carruagem para o serviço de suas majestades. O imperador partiu logo dali para o Palais Royal aonde o rei, a rainha e a real família o receberam com grande cordialidade. O rei louvou o projecto do imperador de ir ele mesmo à testa da expedição que se destina contra o usurpador.
Lamento muito dizer a V. Exa. que, segundo as notícias de Paris, o imperador vai perdendo a popularidade que tinha o nosso partido. Sua majestade imperial nenhum agasalho mostra aos portugueses, que trata com fria e insultante indiferença. O seu espírito de acanhada e mesquinha economia já se deixou ver, com escândalo dos estrangeiros, pelos arranjos adoptados para habitação de suas majestades que, para evitar a miserável despesa de alguns luíses, abandonaram a parte nobre do palácio e se retiraram para os quartos secundários. Tudo isto e as intrigas nojentas dos cortesãos vai causando grande dano aos nossos negócios, que sem tais misérias estariam talvez a tocar o termo da sua feliz conclusão.
O marechal Soult disse ao imperador que o seu parecer seria que a expedição fosse desembarcar nas vizinhanças do Porto e que o número de seis mil homens lhe parecia suficiente para derribar o usurpador.”