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“A Última Ceia é, antes de mais, um momento de reunião de muitos dos habitantes de Pousade que gostam de teatro”

Entrevista: Daniel Rocha – encenador do espectáculo comunitário “A Última Ceia”, em Pousade

 

Daniel Rocha é natural da Guarda, onde viveu até aos 3 anos de idade. Depois, foi com a mãe e com os irmãos para Famalicão da Serra, onde estudou (na Escola Primária e na extinta Telescola) até ir para o Liceu (Escola Secundária Afonso de Albuquerque) frequentar o 7.º ano. No final do secundário seguiu para Coimbra, para a Faculdade de Letras, onde fez a Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses, e o curso de especialização em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS).
Tem pouco tempo livre, pois ou está a dar aulas ou a escrever ou a dar explicações ou a brincar e a cuidar dos filhos ou a fazer outra coisa qualquer. Gosta muito de ler, gosta muito de escrever, gosta muito de desporto e gosta muito de conversar.

A GUARDA: O que é o espectáculo comunitário “A Última Ceia”, em Pousade?

Daniel Rocha: “A Última Ceia” é, antes de mais, um momento de reunião de muitos dos habitantes de Pousade que gostam de teatro. Há, como todos sabem, uma grande tradição desta aldeia em colocar nas suas ruas o drama da Paixão de Cristo, algo que é reconhecido a nível nacional e que em breve poderá ainda ter uma maior repercussão. Logo, o espectáculo comunitário que tem como nome “A Última Ceia” não poderia deixar de parte essa herança e, nesta época tão marcante do calendário cristão, pensámos (eu e vários dos pousadenses) que era chegada a altura de o “divino” dar lugar ao “humano”, de o texto bíblico e a sua recriação dar lugar a uma nova visão (fruto da minha imaginação e talvez da minha própria vontade em que as “coisas” tivessem sido assim) que completasse alguns dos espaços em branco que a História do Cristianismo sempre terá. Neste espectáculo haverá ainda: um desenho de luz original e desafiante (pela utilização e transformação que visualmente a “cena” terá); música original e tocada ao vivo; e uma coreografia original será executada por jovens bailarinas.

A GUARDA: Numa terra com grandes tradições no teatro popular, como é que surgiu a ideia de criar um texto novo para “A Última Ceia”?

Daniel Rocha: Quando fui contactado para saberem se estaria disponível para fazer este trabalho, disseram-me que o “tema” escolhido seria a passagem bíblica da “Última Ceia”. Dada a minha educação cristã, conhecia o episódio, mas fui reler a forma como os vários evangelhos o tratam. A seguir perguntei a mim mesmo se queria fazer uma recriação. Quem me conhece sabe que a resposta foi muito célere e clara: “Não”. Porém, fui para a primeira reunião com a Direcção do Grupo Cultural e Desportivo Pousadense com a intenção de perceber se haveria espaço para a reinvenção que eu gostaria de fazer. E foi uma boa conversa que serviu para conjugar vontades. Eu desejava ir mais além dos textos bíblicos e eles queriam algo que agitasse um pouco as águas. Surgiu então, tempos mais tarde, este texto que não irá, certamente, deixar ninguém indiferente.

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A GUARDA: Como é que as pessoas de Pousade reagiram perante o desafio de apresentar “A Última Ceia” com um texto bem diferente do habitual?

Daniel Rocha: Essa foi, penso eu, a parte mais fácil. Para além do teatro religioso, apercebi-me de que existe em Pousade uma verdadeira alma teatral. Quero com isto dizer que, desde o elemento mais novo da lista de actores até ao mais ancião, todos eles têm muito prazer em fazer teatro, em estar em cima do palco, em representar. Uns com maior facilidade e outros com mais jeito do que outros… Mas todos com uma profunda dedicação e espírito de missão. Para além disso, todos mostraram grande vontade em reinventar um pouco a tradição, o texto tradicional. Penso que todos queriam ser “abanados” e experimentar algo novo que os fizesse sair um pouco da “zona de conforto” em que, quer queiramos quer não, todos caímos quando fazemos sempre a mesma coisa.

A GUARDA: Quantas pessoas estão envolvidas neste espectáculo comunitário?

Daniel Rocha: Ao todo, entre actores, equipa técnica, apoio à construção do espectáculo e apoio logístico, deveremos estar a falar de um número que ultrapassa as trinta pessoas.

A GUARDA: Como encenador quais as principais dificuldades que tem sentido na concretização deste projecto?

Daniel Rocha: As dificuldades maiores neste tipo de projectos são as pessoas e a conciliação das suas vidas pessoais e profissionais com os dias de ensaios. Uns têm empregos, outros estudam, outros têm alguns acontecimentos de última hora que os impossibilitam de estar em todos os ensaios. Felizmente, a vontade e alguma criatividade têm servido para ultrapassar este tipo de problemas. Dou-vos um exemplo da forma como, apesar das dificuldades, a força de vontade ultrapassa os problemas. Os ensaios em Pousade centraram-se maioritariamente no fim-de-semana (sábados e domingos). Mas, como eu e o actor que fará de Jesus moramos em Gouveia, aproveitámos para fazer ensaios a meio da semana no Auditório do Escola Velha – Teatro de Gouveia (aproveito para fazer um agradecimento público ao grupo na pessoa do Carlos Bernardo). Podem ver que no mundo do teatro as dificuldades são também oportunidades para procurar novas formas de trabalhar. 

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A GUARDA: De que maneira é que o teatro popular pode ser um elo de ligação e de promoção para esta aldeia do concelho da Guarda?

Daniel Rocha: No caso de Pousade, o teatro popular de índole religiosa já é uma forma de promoção. Isto não quer dizer que a História, por si, adiante alguma coisa. É necessário perseverar na implementação de novos desafios teatrais para que os próprios actores (e junto aqui também os habitantes) se sintam motivados e com vontade de continuar por aqui. Depois vem o resto. Havendo actividade constante, existirá curiosidade em conhecer o que se faz e vontade em dar a conhecer aquilo que se fez e faz noutros palcos por esse território. Estamos desta forma a “regar o nosso canteiro”. Tristemente, tenho constatado que muitas vezes não é isso que acontece. Fiquei alegre quando percebi que a “diáspora pousadense” volta recorrentemente a este “ponto de partida natal”.

A GUARDA: Como encenador quais os projectos em que está envolvido?

Daniel Rocha: Nos últimos anos tenho tido, posso dizê-lo, uma actividade enquanto encenador produtiva. Tenho tido a oportunidade de encenar algumas peças com o Teatro do Imaginário (do Manigoto), sendo que a peça “Mas Ninguém Mata a Cegonha?” esteve recentemente no Pequeno-Auditório do TMG. No ano que passou tive oportunidade de encenar uma Visita Encenada a Almeida, com o CalaFrio. E em Gouveia, tenho tido a oportunidade de fazer anualmente a encenação do Sarau Cultural do Instituto de Gouveia (que este ano se chamará “O Século em que a Terra parou” e que ocorrerá no dia 31 de Maio). Para além disso, quase todas as peças que enceno são escritas por mim.

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