Entrevista: D. Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda

A GUARDA: Há 18 anos que foi ordenado Bispo, mais precisamente no dia 15 de Dezembro de 2002. Quais os momentos mais marcantes deste tempo como Pastor, primeiro em Lisboa e depois na Guarda?
D. Manuel Felício: Ao chegar a Lisboa, foi o reencontro com uma realidade pastoral e social que eu pensava já conhecer, pois fui seminarista no Seminário dos Olivais durante cinco anos e voltei a Lisboa mais dois anos para prosseguir estudos rumo ao doutoramento.Mas, de facto, a realidade que encontrei no Patriarcado de Lisboa não tinha nada a ver com aquela que trouxe comigo e tinha na minha memória. Precisei de me reiniciar e envolver na nova realidade que encontrei. Tive, é certo, uma vantagem, que foram sobretudo os sacerdotes que eu conhecia, alguns meus colegas de Seminário, como era o caso do actual Bispo de Beja, assim como o então Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, que tinha sido meu Reitor no Seminário dos Olivais.Na Guarda, lembro como momento especialmente marcante o acolhimento caloroso que encontrei, quando tomei posse como Bispo Coadjutor, em 2005. Isto, apesar do frio, pois nessa semana todos os dias entrei e saí de casa com temperaturas negativas. Depois considero especialmente marcantes as escolhas de dois Bispos, a partir do nosso Presbitério, em2012 e 2018, respectivamente.
A GUARDA: Este é um ano atípico a todos os níveis, devido à pandemia que abraça todo o Mundo. Como tem vivido este tempo, principalmente os dias de confinamento? 
D. Manuel Felício: Os meses de Março, Abril e Maio foram tempos mais difíceis, porque a pandemia nos surpreendeu, julgando nós que o vírus Covid-19 continuava muito longe.A partir de Maio, fui interiorizando a convicção de que estamos obrigados a conviver com este hóspede indesejado e ir definindo para todos nós – fiéis, comunidades, sacerdotes, diáconos e outros ministérios e serviços pastorais - uma nova normalidade; normalidade essa que nos permita, apesar dos constrangimentos, levar por diante os nossos programas pastorais, nomeadamente os propósitos de renovação e reorganização da Diocese, que logicamente mantemos.
A GUARDA: Considera que a Igreja se soube adaptar bem a esta nova realidade ou podia ter feito melhor?
D. Manuel Felício: Antes de mais, temos de reconhecer que essa adaptação não terminou, mas contínua em curso. Precisamos de continuar a prestar atenção aos novos dados, incluindo as surpresas menos agradáveis. Mas penso que, em geral, provámos que não estamos dispostos a cruzar os braços, mas estamos cá para seguir em frente, respondendo aos desafios pastorais de sempre e também aos novos que a pandemia nos coloca. E esta capacidade de obedecer a regras para gerirmos bem a nossa convivência inevitável com a pandemia e atingirmos os objetivos pretendidos de manter a funcionar a vida das nossas comunidades foi, em geral, bem reconhecida também pela tutela civil. A GUARDA: Quais as principais dificuldades que tem encontrado quando passa pelas paróquias da Diocese? 
D. Manuel Felício: Certamente que a pergunta se refere às dificuldades sentidas na actual situação de pandemia. E, de facto, eu procuro continuar em contacto com as comunidades e seus agentes pastorais, a começar pelos sacerdotes.E a primeira dificuldade que tenho encontrado é a persistência de algum receio que as pessoas mantêm quando se trata de voltar às ações da comunidade, sejam assembleias dominicais e outras celebrações, sejam as sessões de catequese, sejam outras iniciativas de formação e acompanhamento das pessoas.Outra é a pena de não se poder dar cumprimento a práticas de Fé fortemente enraizadas na tradição das comunidades, sejam festas de santos e padroeiros, sejam novenas, como agora acontece com as da Imaculada e do Natal.Outra ainda é a de não sabermos conjugar bem os necessários encontros presenciais nas comunidades com outros, à distância, que sejam complementares ou mesmo de substituição, envolvendo o uso de meios técnicos telemáticos.Para além destas, tenho encontrado ainda as dificuldades da solidão e do isolamento que, não sendo novas, a pandemia agora mais as evidencia. E dou como exemplo a situação das pessoas institucionalizadas (em lares, hospitais ou mesmo estabelecimentos prisionais), que praticamente têm estado de relações cortadas com a família, com os amigos e com a sociedade enquanto tal.
A GUARDA: Como é que vai celebrar este Natal marcado por tantas regras e imposições?
D. Manuel Felício: A celebração do Natal, essa para mim não vai ser muito diferente da do ano passado. A consoada é vivida na Casa Episcopal e a celebração festiva do Nascimento de Jesus penso vivê-la na nossa Sé, em hora que pode não ser a habitual, à meia noite, mas antecipada. Com certeza que, antes e depois destes eventos marcantes da Festa do Natal, procurarei estabelecer, como nos anos anteriores, contactos com as pessoas, por meios variados, a fim de vivermos a alegria que nos vem do Nascimento do Salvador.
A GUARDA: Disse, recentemente que o Natal não precisa de ser salvo, nós é que precisamos de ser salvos pelo Natal. O que é que o levou a fazer esta afirmação?
D. Manuel Felício: Essa foi uma expressão utilizada várias vezes pelos responsáveis políticos, há algum tempo atrás, com a intenção válida de entusiasmar as pessoas no sentido de tudo fazerem para que a festa do Natal não fosse prejudicada pela pandemia. Mas tal desejado objetivo não foi atingido. Porém, esse insucesso até pode ser oportunidade para que a festa do Natal seja este ano mais verdadeira, porque as pessoas, em vez de se distraírem com aspetos secundários e periféricos, podem voltar-se mais para o essencial do Natal, que é o Nascimento de Jesus. Esse, sim, o verdadeiro acontecimento que nos salva.A GUARDA: Como olha para o futuro da região da Guarda onde a população, principalmente das zonas rurais, está cada vez mais envelhecida? D. Manuel Felício: Olho com compreensível apreensão. Pois, é forçoso reconhecer que temos bons instrumentos para a valorização do nosso interior. E penso no programa nacional para a coesão territorial elaborado há 4 anos, por iniciativa do Governo, mas também no mais recente programa da valorização do interior, que procura atualizar o primeiro. Penso também na Unidade de Missão para o Desenvolvimento do Interior criada há cinco anos, na Secretaria de estado que lhe sucedeu, e agora no Ministério da Coesão Territorial, cuja atual ministra conhece bem a realidade do nosso interior.Temos instrumentos, isso é verdade, mas faltam-nos pessoas. Esse é o grande problema. Faltam-nos pessoas capazes, para utilizar bem estes instrumentos, quer entre os decisores na administração central quer no terreno, para levar à prática os bons propósitos que, sem dúvida, existem.Este é o problema grave e não se vê vontade política para o resolver.